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PARECER TÉCNICO nº 645/2020/ATEC-CNA/CNA/DEPAM

ASSUNTO:  Análise do recurso apresentado pela Parnaíba Transmissora de Energia S.A. solicitando a reconsideração do valor do Termo de Ajustamento de Conduta.

​REFERÊNCIA: Processo nº 01450.000450/2018-02.

Brasília, 20 de abril de 2020.

 

 

I. INTRODUÇÃO

O presente Parecer Técnico objetiva a análise do recurso apresentado pela Parnaíba Transmissora de Energia S.A. solicitando a reconsideração do valor do Termo de Ajustamento de Conduta a ser firmado com o Iphan, em função da destruição parcial de 35 (trinta e cinco) sítios arqueológicos durante as obras de instalação do empreendimento Linha de Transmissão 500 KV Barreiras II - Rio das Éguas - Luziânia - Pirapora 2. Tal análise baseia-se na legislação de proteção ao Patrimônio Arqueológico Nacional, especialmente a Constituição Federal e a Lei nº 3.924/1961.

 

II. ANÁLISE

Como resposta ao Ofício nº 135/2019/CNA/DEPAM-IPHAN (1061739), em 05 de março de 2020 foi recebido o Ofício PTE.014.2020 (1838910), por meio do qual é solicitada a reconsideração do valor do Termo de Ajustamento de Conduta (0960891) a ser firmado com o Iphan, em função da destruição parcial de 35 (trinta e cinco) sítios arqueológicos durante as obras de instalação do empreendimento Linha de Transmissão 500 KV Barreiras II - Rio das Éguas - Luziânia - Pirapora 2.

Antes de tudo, é salutar informar que a manifestação esperada em resposta ao Ofício nº 135/2019/CNA/DEPAM-IPHAN (1061739) diz respeito ao conteúdo do Termo de Ajustamento de Conduta e não do seu valor. O estabelecimento do valor das medidas compensatórias foi definido por meio da "Anuência Condicional do Iphan à Licença de Operação do empreendimento Linha de Transmissão 500 KV Barreiras II - Rio das Éguas - Luziânia - Pirapora 2" (0265451 p. 11), assinado pela então Presidente do Iphan Senhora Kátia Santos Bógea e pelos Senhores Xiachun Wang, Diretor Presidente, e João Batista Guimarães F. da Silva, Diretor Técnico, como representantes da Parnaíba Transmissora de Energia S.A..

No documento supracitado ficou estabelecido de comum acordo que anuência à Licença de Operação do empreendimento ficaria condicionada

...à elaboração de Termo de Compromisso entra a empresa Paranaíba Transmissora de Energia S.A. e o Iphan para o estabelecimento de medidas compensatórias, na forma tipifcada como obrigação de fazer e, conequentemente, na execução estimada e aferida pelo Iphan no valor de até R$35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de reais), observado o cárter de natureza reparatória.[grifo nosso] (0265451 p. 15).

Na minuta de TAC (0960891) enviada ao empreendedor por meio Ofício nº 135/2019/CNA/DEPAM-IPHAN (1061739) constam como obrigações do compromissário:

I. Promover a construção e estruturação de edificação em área que será disponibilizada pela Escola de Belas Artes da UFBA, de propriedade da Universidade Federal da Bahia, a qual deverá abrigar a Reserva Técnica e demais áreas de apoio e laboratórios do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal da Bahia (MAE/UFBA), bem como promover a transferência dos acervos constantes na edificação atual para a nova edificação.

II. Promover a construção e estruturação de edificação em área que será disponibilizada pelo Museu de História Natural e Jardim Botânico da Universidade Federal de Minas Gerais, a qual deverá abrigar a Reserva Técnica do Setor de Arqueologia e demais áreas de apoio e laboratórios do Museu de História Natural e Jardim Botânico da Universidade Federal de Minas Gerais (MHNJB/UFMG), bem como promover a transferência dos acervos constantes na edificação atual para a nova edificação.

III. Promover a construção e estruturação de edificação em área que será disponibilizada pela Universidade Estadual de Goiás, a qual deverá abrigar a Reserva Técnica e demais áreas de apoio e laboratórios do Núcleo de Arqueologia da Universidade Estadual de Goiás (NARQ/UEG), bem como promover a transferência dos acervos constantes na edificação atual para a nova edificação.

IV. Promover a reforma das estruturas físicas do Museu Ângelo Rosa de Moura visando solucionar os problemas de infiltrações da água da chuva pelo telhado, bem como a adoção de estratégias com o objetivo de conter a umidade proveniente do solo (umidade ascendente);

V. Promover a contratação de empresa para a realização de inventário e curadoria (troca de embalagens e limpeza, caso necessário) do acervo arqueológico do Museu Ângelo Rosa de Moura, bem como transferência do acervo que não ficará em exposição para o NARQ/UEG;

VI. Promover a contratação de empresa especializada para a elaboração e realização de um projeto de exposição de parte do acervo que permanecerá exposto no Museu Ângelo Rosa de Moura;

VII. Promover a reforma das estruturas do Museu de História Natural, conforme projeto arquitetônico elaborado pelo IPHAN/AL, no qual será reunido ao seu acervo técnico o acervo técnico do Núcleo de Ensino e Pesquisa Arqueológica da UFAL, bem como promover a transferência dos acervos constantes na edificação atual para a nova edificação;

VIII. Promover o transporte da coleção proveniente da Pesquisa Arqueológica da 7ª Etapa do Centro Histórico de Salvador (cerca de 2.455 caixas arquivo com materiais arqueológicos e outras 40 com documentação de pesquisa, podendo o número aumentar ou diminuir) para o MAE-UFBA ou de Ilhéus para o MAE-UFBA, considerando a possibilidade de a coleção estar em Ilhéus.

De acordo com o Anexo I do TAC, as obras tratadas nos incisos I, II e III somam o total de R$19.958.629,99 (dezenove milhões, novecentos e cinquenta e oito mil seiscentos e vinte e nove reais e noventa e nove centavos), enquanto que as obrigações descritas nos incisos IV à VIII não tem valor definido, ou seja, cabe o Compromissário entregar o produto executado e ao Iphan avaliar se a entrega estava em consonância com os parâmetros estabelecidos.

Tendo em vista o exposto acima, é salutar informar que a manifestação esperada em resposta ao Ofício nº 135/2019/CNA/DEPAM-IPHAN (1061739) diz respeito ao conteúdo do Termo de Ajustamento de Conduta e não do seu valor, visto que o teto de R$35 milhões já foi definido em comum acordo entre as partes.

Procedendo com a análise do recurso apresentado, verificou-se que a Parnaíba Transmissora de Energia S.A. solicita que o valor do TAC seja reajustado para R$2.982.900,00 (dois milhões, novecentos e oitenta e dois mil e novecentos reais), menos de 10% do valor estipulado no acordo de anuência supracitado (0265451 p. 11).

Para justificar a redução é apresentada uma tabela anexa ao ofício (1838910 p. 3-5) partindo do pressuposto de que a totalidade de cada sítio arqueológico valeria R$1.000.000,00 (um milhão de reais). Do ofício extrai-se a seguinte explicação:

Assim sendo, propõe-se um modelo de mensuração da compensação financeira considerando a área afetada de cada sítio versus o valor de R$ 1.000.000.00 proposto. conforme Anexo l. Considerando-se os 35 sítios afetados e a porcentagem impactada do empreendimento, entendo-se que a compensação financeira deverá ocorrer no valor de R$ 2.982.900,00 (1838910 p. 1).

Destaca-se que a metodologia apresentada para a nova mensuração apresenta duas falhas que comprometem sua aplicação. Estas são apresentadas abaixo e sua fundamentação segue mais adiante.

  1. Valor estabelecido pelo TAC corresponde à compensação pela destruição parcial de fato realizada, e não em função da porcentagem da área afetada; e

  2. A aplicação da proporção da área afetada do sítio contradiz diagnóstico anterior.

No que tange ao item 1, faz-se necessário esclarecer ao interpelante que o valor estabelecido no acordo de anuência (0265451 p. 11) e, consequentemente, utilizado para nortear a minuta de TAC (0960891) refere-se ao dano de fato causado e não a uma suposição de destruição total do sítio arqueológico.

Ademais, destaca-se que a destruição parcial de um sítio arqueológico vai além da perda de parte da sua materialidade, pois também trata-se de dano a um direito difuso de toda a sociedade brasileira. Ao destruir parte de 35 sítios arqueológicos para instalação da Linha de Transmissão 500 KV Barreiras II - Rio das Éguas - Luziânia - Pirapora 2, a Parnaíba Transmissora de Energia S.A. não apenas cerceou os mais de 210 milhões de brasileiros de ter acesso às informações ali presentes como também extirpou esse direito de todos os brasileiros que ainda nascerão, de modo ad aeternum. Desta forma, considera-se que não é possível relacionar exclusivamente a porcentagem da área afetada com o valor a ser compensado.

Outro ponto que reforça tal impossibilidade é aquele de que trata o item 2, uma vez que a tentativa de valoração dos sítios arqueológicos exclusivamente por sua área destruída vai de encontro a outro diagnóstico já apresentado no processo em tela em 10 de novembro de 2016 (0265448 p. 75), destaca-se que tal diagnóstico foi realizado durante o resgate dos sítios e apresentado pela empresa A Lasca Arqueologia na qualidade de representante do empreendedor.

SÍTIO

Grau de Impacto
ALASCA - 10/11/2016

Área do sítio atingida (%)
Parnaíba - 05/03/2020

LOTEG 01

Baixo

2,71

LOTEG 02

Baixo

0,25

LOTEG 03

Alto

3,44

LOTEG 06

Alto

1,54

LOTEG 10

Alto

2,76

LOTEG 11

Alto

1,93

LOTEG 12

Baixo

1,15

LOTEG 13

Alto

3,67

LOTEG 14

Baixo

6,41

LOTEG 15

Alto

2,92

LOTEG 16

Médio

3,71

LOTEG 17/Mangueira

Alto

4,31

LOTEG 18

Alto

5,67

LOTEG 22

Alto

43,68

LOTEG 23

Baixo

14,59

LOTEG 24

Baixo

4,07

LOTEG 29

Baixo

4

LOTEG 30

Alto

1,39

LOTEG 33

Baixo a médio

2,77

LOTEG 37

Baixo

3,52

LOTEG 39

Baixo

2,76

LOTEG 51

Baixo

8,75

LOTEG 53

Baixo

1,01

LOTEG 55

Alto

11,64

LOTEG 56

Alto

16,2

LOTEG 58

Médio

0,86

LOTEG 59

Alto

12,08

LOTEG 60

Baixo

2,8

LOTEG 61

Alto

100

LOTEG 64

Baixo

2,37

LOTEG 68

Baixo

0,46

LOTEG 69

Médio

9,66

LOTEG 76

Baixo

0,6

LOTEG 81

Baixo

3,74

LOTEG 82

Médio

10,87

 

Como pode ser visto na tabela acima, a tentativa de valorar o impacto a partir da mensuração da área impactada vai de encontro ao diagnóstico anterior, uma vez que sítios com menor percentual atingida tiveram alto grau de impacto e sítios com percentuais mais baixos tiveram baixo grau. Como exemplos da ineficiência do tipo de medição proposta pode-se citar os casos dos sítios LOTEG 06 e LOTEG 14.

No primeiro diagnóstico (0265448 p. 11), o grau do impacto sofrido pelo sítio LOTEG 06 foi classificado como "alto", enquanto que no novo diagnóstico (1838910) é informado que 1,54% de sua área foi atingida. O oposto ocorre para o sítio LOTEG 14, visto que no primeiro diagnóstico teve seu grau de impacto classificado como "baixo" e no segundo diagnóstico é informado que sua área destruída é de 6,41%. Os exemplos acima demonstram a impossibilidade de se usar o percentual de área destruída como elemento de estabelecimento do valor, visto que esse percentual não guarda relação  direta com o grau do impacto sofrido.

Pacificado o entendimento de que não a proposta do empreendedor não tem condições de ser aceita, destacam-se abaixo as consequências de uma eventual renegociação dos valores.

Tendo em vista que anuência do Iphan à Licença de Operação (LO) do empreendimento Linha de Transmissão 500 KV Barreiras II - Rio das Éguas - Luziânia - Pirapora 2 foi condicionada ao compromisso de que sejam cumpridas medidas compensatórias no valor de até R$35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de reais), na forma do acordo celebrado 0265451 p. 11), a renegociação deste valor ensejará obrigatoriamente na revogação do acordo já firmadoSe reaberta a renegociação, o Iphan tem o dever de informar ao Ibama da revogação de sua anuência à LO.

Ademais, cumpre destacar que a celebração de um Termo de Ajustamento de Conduta - TAC - tem como objetivo reestabelecer o correto trâmite processual e instituir as medidas compensatórias que irão reparar o dano causado ao Patrimônio Nacional. Além de se tratar do estabelecimento de um compromisso entre o empreendedor e o Iphan, o TAC é uma alternativa à Ação Civil Pública, conforme dispõe a Lei nº 7.347/1985, e para sua celebração é necessário que ambas as partes aceitem os termos propostos.

Sendo assim, entende-se que a aceitação dos termos do TAC é facultativa para a Parnaíba Transmissora de Energia S.A., porém, caso não haja cumprimento do acordo firmado anteriormente ou sua devida renegociação, é dever do Iphan prestar denúncia ao Ministério Público Federal afim de que o empreendedor seja responsabilizado criminalmente por sua conduta.

 

III. PARECER​

Considerando a análise de toda a documentação juntada ao processo em epígrafe, manifestamo-nos pelo indeferimento do recurso e pela necessidade de adoção das medidas abaixo listadas.

  1. Informar à Parnaíba Transmissora de Energia S.A. que:

    1. A proposta apresentada não pode ser aceita em função de sua inconsistência em relação aos dados levantados em diagnóstico anterior;

    2. A renegociação do valor do Termo de Ajustamento​ de Conduta ensejará automaticamente na anulação da "Anuência Condicional do Iphan à Licença de Operação do empreendimento Linha de Transmissão 500 KV Barreiras II - Rio das Éguas - Luziânia - Pirapora 2" (0265451 p. 11) e, consequentemente, na revogação da anuência do Iphan à Licença de Operação do empreendimento Linha de Transmissão 500 KV Barreiras II - Rio das Éguas - Luziânia - Pirapora 2; e

    3. A assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta é facultativa à Parnaíba Transmissora de Energia S.A., porém caso não haja o cumprimento do acordo firmado ou sua  devida renegociação - arcando-se com as devidas consequências desta, é dever do Iphan prestar denúncia ao Ministério Público Federal para que o empreendedor seja responsabilizado criminalmente por sua conduta.

 

Assim concluído e fundamentado, submete-se o presente parecer à consideração superior para que haja, salvo melhor juízo, posterior notificação aos interessados.

 

Respeitosamente,

 

(assinado eletronicamente)

Alexandre Cavalcanti Gomes Neto

Técnico I - Arqueólogo


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Documento assinado eletronicamente por Alexandre Cavalcanti Gomes Neto, Arqueólogo, em 20/04/2020, às 10:23, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.


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A autenticidade deste documento pode ser conferida no site http://sei.iphan.gov.br/autenticidade, informando o código verificador 1913910 e o código CRC CA314EC7.




Referência: Processo nº 01450.000450/2018-02

SEI nº 1913910